domingo, 24 de março de 2013

UMA CASA BRASILEIRA COM CERTEZA


SÁBADO NEGATIVO
Ontem, acho que estava com o Diabo no couro, pois acho que descontentei muita gente, ou talvez, tirei muita gente do sério, por viver em sua zona de conforto e não querer que nada mude, para não ter trabalho.
Acordei, já passei, vendo a manchete do jornal local, onde o Senador Eduardo Braga o “50%”, declarava que as acusações contra ele são infundadas. “NUNCA FRAUDEI NADA NO AMAZONAS”. Então tomemos cuidado, pois ele deve estar fraudando em Brasília. Mas o que mais me deixou indignado, é sabê-lo cristão de carteirinha, desses que vão à missa, todo dia que tem muita gente, para dar show e sempre nas igrejas de gente endinheirada apenas. São os tipos que quando aparecem acusados de desvios, inclusive de caráter, ficam ao lado do celebrante, para serem vistos, como carolas. A mentira não é um dos Sete Pecados? Então, continuamos a dizer uma coisa e fazer outra. Os pastores de almas, não são os enviados de Deus, o Onisciente, para levar o rebanho salvo, ao Paraíso? E não conseguem ver coisas que todos enxergam? É bem Brasil. Ainda bem que a Semana Santa está chegando, vai tudo mundo chorar o Cristo na cruz e calar a boca para ninguém denunciar bandidagem dos filhos de Deus, com muito Ovo da Páscoa. O problema é que o mundanismo está acabando os conceitos religiosos, de amor, de paz, de fraternidade, nem que quem esteja à frente dessas coisas aéticas, seja justamente os que tanto falam em Deus, no outro mundo. O melhor da nossa cultura, é que choramos o Cristo na cruz, na Semana Santa, no Sábado de Aleluia, lascando a pedradas, a cacetada os Judas. Ou seja, a dor, quando na nossa pele, é dor, na pele dos outros, é brincadeirinha! É coisa de Deus. O Inferno é aqui, mas quem nos expulsou do Paraíso e ainda o fazem, foram eles. Mas o Diabo é que é ruim.
No transcorrer do dia, não foi diferente. Como se meus sentidos críticos, estivessem mais aguçados do que em outros dias, tudo me fazia ver discriminações, atitudes de quem nem pensa, mas se faz corrente pela manutenção do status quo. Gente que já sofreu na própria pele, mas parece que pegou o mesmo modelo que os infelicitou, para se equiparar à turba da procissão. Não por menos, além de procissões, agora temos Caminhadas para Jesus, para o Diabo a quatro. É um povo que insiste em nunca remar contra a corrente. É sempre conivente com as barbaridades, desde que seja um ato coletivo. Talvez por isso, não se veja super-herói brasileiro. Falta-nos colhão! Somos muito machistas, desde que não se aponte o poder na nossa cara. Aí, até se quiserem que dancemos balé, com saía de bailarina, nem nos importamos.
Conversava com Bustela e Senhora Ana, sobre os royalties do petróleo e dizia que fui chamado de “contra”, por não concordar com o discurso do Rio, de querer sempre levar vantagem, mesmo que a dinheirama  arrecadada de todos os entes da nação, não sejam aplicados condignamente, para o desenvolvimento nacional.
Depois recebi um email que eu considero bastante reacionário, sobre a “ascendente classe média brasileira”. Vi racismos na minha frente, até me estranhar com Dona Therezinha, no fim da noite.
Ela que por ser de pele mais escura, foi discriminada dentro da família, por, pelo menos uns 16 anos, hoje, quando vê uma garota de cor escura, com o nariz chato, quer que faça plástica para “afilar”. Quando vê um cabelo pixaim como o meu, ou como já ouvi falarem, “cabelo rúin!”, que já tentou que eu alisasse, depois que eu fizesse relaxamento, quer que se pele, ou pelo menos, dê um jeito naquela “coisa feia”.
Para terminar o dia, recebi a revista e fui lera coluna do Claudio Manoel. Terá sido colega de Colégio Militar do Rio de Janeiro, do meu primo mais novo? Tem quem queira chamar a atenção, pelo negativo, pelo lado mais ridículo, por não ter mais do que isso a apresentar.
Em suma, nossa casa brasileira com certeza, é um lugar, onde as pessoas passam do discriminado, para o discriminador, pensando que o problema não é deles. Sem se parar para pensar, como seus atos refletem no todo e colaboram para a manutenção da mesmice.
Aliás, quando se nasce, a cultura está posta, para quê, eu vou querer mudar uma coisa que vem de longe? Os neguinhos têm suas oportunidades. O Bruno foi até goleiro do Flamengo e teve um filho com uma menina branquinha que era prostituída por um cara quem nem era seu pai, a mãe sabia, mas largou-a ao Deus dará e deu muito, depois, quando virou caso de polícia, a comovida mãe, veio pedir “justiça”. Ou seja, somos um povo gaiato, descaradamente, metido a esperto e só damos chilique, quando vemos que pode nos trazer vantagens, senão nos unimos nos crimes.
Os índios já tiveram até um representante no Congresso Nacional que virou piada nacional. Não por ele nos mostrar, como somos mentirosos, mas como uma estratégia de deturpar, o que pode trazer mudanças, servir como espelho para nossos atos. Bem que depois, garotos brincalhões, queimaram o Galdino em Brasília, mas queriam que se colocasse na prisão, uns garotos que apenas queriam se divertir com uma coisa quase humana? Deu-se com prêmio, além do discurso da magistrada de que foi apenas um engano, “pensavam que era mendigo!”, ou seja, índio, até que merece um pouco de respeito, mas mendigo, é coisa que se pode queimar, como fogueira de São João e cargos no estado, para mostrar que as elites não podem ser atingidas, por questões menores. Afinal, o “homem-branco”, não pode responder por um crime de um bugre qualquer, senão, daqui a pouco, não tem mais polícia.
Fiquei pensando o que fazer, para não atritar tanto com uma realidade onde as pessoas que mais incentivam essas práticas ultrapassadas, são as que mais chamam as ações de mudança, de trazer à luz, quem vive na escuridão, as políticas inclusivas, de palhaçada, de tolice, de coisa de gente metida a estrangeira. Mesmo porque, são pessoas caras a mim. Que não entendam esse caro, como fez uma ex-namorada que fechou a cara, por pensar que estava me referindo a valores monetários.
Ou faço ouvido de mercador, aí fico me sentindo muito mal, um covarde de pai e de mãe, mas como conversei com o Edmar, é puxando o saco que muita gente vira “gente”; ou de outra maneira, coloco para fora minha insatisfação, mas de um jeito que as pessoas não se sintam agredidas. Aquele discurso, também muito brasileiro:
- Sabe querida, você é muito lindinha, uma gracinha de pessoa, mas sabe, nem sei o que dizer, quero dizer, assim, você mata muita gente. Os outros existem, sabe?
Fala, fala, fala e não diz nada. Ou seja, deixa como está, pois um dia, quem sabe, as coisas mudem, por milagre. Logo eu que nem acredito em Deus, esperar por milagres.
TRAUMAS INFANTIS
O Brasil mantém certos pensamentos, quase como imutáveis. Dia desses vi a avaliação do ser brasileiro que se formou após a “Descoberta” que os espanhóis, chamam de “Conquista”. Somos formados por europeus, africanos, representantes de povos autóctones, orientais, uma miscelânea danada de raças, mas no fim, hoje, somos brasileiros, só. Não adianta, ainda hoje, tem quem se veja como africano, como europeu, como oriental, não como a raça que se formou, pela união de todas as outras que morreram no processo e saiu o brasileiro nato, ou ingrato. Cada um quer se valer da raça de momento que está sendo beneficiada por alguma coisa. O neonazista que agride negros, orientais, homossexuais, nordestinos, até quem é tão branco quanto ele, de repente se inscreve no ENEM, como preto. O outro que quer acabar com as tribos, sem entender como podemos aprender com eles, aparece nas eleições, como índio. Somos um povo em mutação constante, que o que mais muda, é nossa falta de caráter, como Macunáima, a formação do caráter nacional. De resto, tenta-se manter tudo como sempre.
Assim também, é a visão de autoridade no lar brasileiro que mesmo se tendo mudado o pátrio poder, o poder de mando dos lares, como um resultado da partilha igual de maridos e esposas, de cônjuges ao mesmo tempo, ainda hoje se vê a casa, como do “Seu”. É difícil mudar conceitos, ainda mais, em um país que sempre é lento para chegar ao hoje e nos engana, como país do futuro. Não por menos, a Libertação dos Escravos, deu-se no Brasil, depois que todos os outros países, já o tinham feito. Não por menos, a nossa industrialização só começou nos anos de 1950 quando muita gente estava procurando outros planetas para habitar e mesmo assim, nossa “indústria nacional”, em sua grande maioria, é de fora. Até hoje, quando se dá direitos às empregadas domésticas, é um Deus nos acuda, gente pensando que irá onerar e muito o bolso do patrão, mesmo que a empregada perfaça um horário de 5 horas, que já tenha carteira assinada, que nunca fique mais tempo do que o necessário, mas se cria um clima de terror que até quem não tem nada a ver com o peixe, pensa logo que se vai ser mordido por piranha. As mudanças neste país são sempre traumáticas. Mas com um discurso bonito que faça pensar que somos sempre preparados para as novidades. Até que sim, desde que venha pronto de fora e nós apenas imitemos os usos e costumes alheios, como se fossemos eles e principalmente, objetos deles. Não por menos, achamos “legal”, as nossas crianças, adolescentes, mulheres e travestis, serem usados no turismo sexual. Dá-nos um status danado. Imagina o favelado, passando um perrengue danado, sem a menor possibilidade de ascender socialmente, a não ser nos esportes, ou nas artes, mas com o sobrenome SCHUBERT VON DAMIEN GIULIANI ARTOUIR. Porra, está apto a dominar o país. Gostamos de pedigree mesmo que tratemos nossos bichos de estimação, na porrada. Mas quando forem autoridade estiverem em cargos de relevo, não podem se portar como a ralé. A primeira coisa que tem de aprender, é se portar, como os Coronéis de Barranco de muito antigamente. Aí, sim, é o, ou a cara! “Esse cara sou eu!” Sabendo a biografia de certos cidadãos ilustres deste país, de malandragem, de drogas, de turma de cafajestes, de meninas que se vendiam por alguns trocados, escutando-os hoje, “quem não a conhece não pode mais ver pra crer, quem jamais esquece não pode reconhecer...” Os exemplos mais carolas da sociedade nacional, os formadores de opinião mais consagrados.  
Eu sou brasileiro, no aspecto de ser fruto de duas famílias, onde os patriarcas eram negros e as matriarcas eram brancas. Os dois, descendentes diretos de escravos, as duas, descendentes direto de europeus de olhos azuis. Mas mesmo assim, o racismo é uma constante. E os racistas nem se tocam que o são. Praticam-no, como se fosse uma brincadeira, riem de atos racistas, como se fosse piada.
“Todo o poder para mim”. Mas sempre com a cara de pau, de só querer o bem da humanidade. Só fazem essas coisas, por bondade divina.
Posso dizer que fui discriminado em criança, quando Seu Clovis, logo depois que saí da maternidade, foi mostrar o filho primogênito para a mãe dele, minha avó branquinha que casou com negro de saber e socialmente destacado, apesar de ser racista e muito religiosa, desde sempre. Foi escorraçado com o neguinho no colo e tudo o mais. Mas isso, sinceramente, não me causa trauma, nem de outra maneira, me faz querer fazer parte da turma que mantém os mesmos traços de seus antepassados. Prefiro pensar e agir diferente. Mas não fui o único a enfrentar esse tipo de ação. Tenho a Fátima, minha prima, mais velha entre as mulheres que também gerou um atrito familiar, por ter a pele escura, o Clovito, enfim, as ações se repetem, mas quem as pratica, acha que é um ato isolado e agindo assim, está apenas colocando para fora, um traço de sua personalidade. É só pedir perdão a Deus, tudo se esquece, está salva no Juízo Final. E tem quem queira apagar esse tipo de história, para não macular o nome de família e que não sirva de exemplo, de como nós brasileiros, valemo-nos de todos os artifícios para “chegar lá” e quando alcançamos o Olimpo, pisamos em quem também esteja penando para ter os mesmos privilégios dos deuses, querendo atingir nova classe, além das suas, de titãs, semideuses, ou apenas humanos.
Talvez, tenha como exemplo dessa nacionalidade muito própria de nós brasileiros, os soldados antigos que pegamos no quartel. Eles desistiram de dar baixa, porque queriam impingir o mesmo sofrimento aos outros, como diziam aos quatro cantos, que sofreram anteriormente. Pena que a coisa não foi tanto quanto esperavam. Tiveram se sair correndo...
Do outro lado da família, também aconteceu algo muito parecido. Assim que a mãe de Dona Therezinha, filha única, alva de pele, casou com Seu João, os pais dela, romperam relações, sem deixar pistas do que aconteceu depois. Não se faz ideia da árvore genealógica do português, nem da cearense, dois povos tradicionalmente racistas, aparentados de ingleses e tudo o mais.
Não são fatos isolados, tão somente, atos bem brasileiros que ou nos acostumamos, ou ferimos suscetibilidades. Principalmente quem agride a inteligência alheia, é quem mais se sente agredido. É o Efeito Lance Armstrong que processava quem o denunciava, com fraudes para vencer no Ciclismo. E conseguia, com a ajuda de seus iguais, calar quem tinha certeza do que dizia, mas acabava sendo colocado para a opinião pública, como vilão da história. As piores espécies de gente são as que mais processam os outros, sentindo-se caluniadas, no que elas mesmas sabem estarem fazendo a coisa de forma menos correta possível.   
Mas como digo, as pessoas, antes atingidas, são as mesmas que agem como as que as feriram. A própria Fátima, no caso dos royalties do petróleo, assistindo o marido defender o Rio na GloboNews, acha normal que os privilégios sejam mantidos e me chama de “contra!, por não achar justo que poucos sempre tenham tudo e o “resto”, sempre fique babando, vendo-os banquetear-se com o dinheiro alheio.  
A CASA DE SEU ILÍDIO
Lá no fim da rua, no número 856, morava uma família, conhecida como a Casa de Seu Ilídio. Como já falei, o Direito de Família, dá os mesmos valores, para os dois cônjuges, hetero, ou homossexuais, mas nossa sociedade quase imutável, ainda pensa como se ainda estivéssemos na Península Ibérica, de 1200.
Eu sempre repito que brasileiro, é como um motorista que faz a maior força para comprar o carro mais caro, mais possante, mais veloz da atualidade, mas quando dirige, passa o tempo todo, olhando pelo retrovisor. Ou seja, fazemos questão de nos vestir externamente, com as grifes de momento, mas interiormente, até por uma questão de pouca leitura, adaptar o que se aprende com o ambiente que vivemos, de colocar em prática o que se deveria ter apreendido para a vida, somos mais atrasados do que nossos ancestrais de há muito.
Moravam lá, Seu Ilídio, o pai, Dona Germana, a mãe, Domitila a filha mais velha, Alessandro, Ronaldo e Katia, os DARK.
Os meninos eram conhecidos, por suas peraltices na rua. Faziam tudo, contra as leis, contra o convívio social. Pichavam os muros dos outros e ainda deixavam recado: “Se pintar encima da pichação, voltaremos para pichar ainda mais!” Os pais, achavam que era apenas uma brincadeira de criança. Quando viam Seu Nestor, um brasileiro de cor escura que discutia o alijamento das minorias sociais, para manter sempre os privilégios de poucos, ficavam gritando palavras racistas, preconceituosas, discriminatórias, mas, de novo, os pais até se zangavam, se os atingidos viessem pedir que cuidassem das crias.
- Ora veja só o senhor! São apenas umas crianças, o senhor, um homem barbado, vai querer se trocar com brincadeira infantil? Tenha a santa paciência! E só volte aqui, quando for para coisa que o valha!
NAMORANDO
Domitila, a filha mais velha, em idade juvenil, arranjou um namorado. Seu Ilídio achava que tinha de proteger a filha, dos garanhões da rua. Como em resposta a isso, incentivou os filhos, ainda adolescentes, a procurarem se divertir com as mulheres. Dizia sempre:
- Segurem suas cabritas porque meu bode saiu pra pastar!
Pensa-se que é uma frase engraçada e antiga, ou em desuso. Ledo engano. Ainda, em pleno Século XXI, é muito repetida, até por quem jura que é de vanguarda.
Alessandro e Ronaldo pintavam e bordavam. Engravidaram as filhas dos outros, forçaram o aborto, tudo patrocinado pelos pais, como um ato de masculinidade, como se ainda hoje, fosse permitido tudo ao macho e nada à fêmea. E talvez, seja assim mesmo. Por isso é que feministas, quase nenhuma, mas femistas, aquelas que repetem os erros masculinos, é o que mais se vê por todo canto. Uma questão de se amar, ou preferir o próximo, como o máximo que se pode oferecer.
Depois de anos, Dona Germana entrou no quarto de Domitila, para procurar um remédio para dor de cabeça, encontrou outra coisa que a atiçou esse dor, agora, na alma. Domitila tinha caixas de anticoncepcional e pacotes de preservativo masculino, no meio dos remédios. Foi como um choque para a família. Inferia-se que Domitila estava dando o piriquitinho para os malandros. Isso era impensável na família brasileira. Reuniu-se toda a família, inclusive os outros filhos, e Domitila ficou na berlinda. O que ouviu, não foi pouco. Só não a chamaram de bonita, mas inclusive, de piranha. Os irmãos então eram os mais exaltados, com o apoio dos pais.
Ficou decidido que Domitila só poderia namorar no sofá de casa. E assim mesmo, com a Maria, fazendo companhia.
Aos filhos, era permitido sair toda noite, e ainda era dada uma ajuda de custo, para que pagassem as contas do restaurante, do bar, do motel, até da clínica de aborto. Katia que era a mais nova era ensinada a ser uma “mulher direita”. Enfim, não que sejamos arraigados ao passado, mas é uma cultura nacional. Uma genética que veio de longe e ninguém faz nada, para despachá-la de volta.
IDALINA PASSOU NO VESTIBULAR
A babá antiga dos meninos, lutou, estudou, fez sacrifícios, até que conseguiu entrar numa faculdade.
Os DARK, já em idade escolar para tanto, não conseguiram.
Isso fez com que os pais, quisessem matar Idalina, mas sem demonstrar, pois como bons brasileiros, tudo é bem adocicado, para não se perceber inveja, ódio, essas coisas comuns aos brasileiros religiosos, mas sempre feitos veladamente,
Idalina era daquele tipo de pessoa humilde, que apesar de ter vencido por esforço próprio, ainda foi agradecer à família, pela conquista.
- Tudo bem Idalina. Quando não deixávamos tu ires à aula, para ficar fazendo a tarefa dos meninos, era uma forma de te dar bons exemplos.
- Quando não te deixávamos um minuto sequer, fazer as tarefas, ou estudar, era para mostrar que com esforço, as vitórias são conquistas muito mais bem recebidas.
Na verdade, tudo o que se faz, é sempre com as melhores das intenções. Então Domitila, aquela mesma que sofreu na reunião, entrou na conversa.
- Idalina, por que tu resolveste te formar numa faculdade? Por acaso nós não damos tudo de mão beijada para ti?
- É mesmo Idalina, até parece uma afronta a nós. Te damos as roupas das meninas, as fronhas que usamos, enfim, tudo o que podemos e nos é permitido.
- Eu agradeço e muito Dona Germana, mas sabe, eu quero poder, eu mesmo, escolher o que eu quero usar, as cores, os modelos, do que estar sempre esperando o gosto, a bondade alheia.
- E eu que estudei tanto, papai pagou os melhores colégios para eu passar sem estudar, competi contigo que ainda entrou como cotista. Isso é querer desmoralizar, quem sempre teve todos os privilégios num país que sabemos, não é racista e todos se tratam como iguais. É uma desmoralização à Tradicional Família Brasileira! De alma branca!
- Viu só mulher? É isso que dá a gente querer sempre ser bonzinho com as pessoas. A gente dá o dedo, elas querem o pé. A gente dá o pé, elas querem levar logo tudo de nós.
Nunca mais Idalina foi recebida na casa da família. Afinal, roubou o que eles consideravam, como seus, sem discussão. O direito de terem vantagens, desde o “Descobrimento”, sem que se quisesse trazer ao país, a questão das lutas sociais, raciais e tudo o mais, que não interessavam, afinal, o Brasil é visto até hoje, como país cordial, pacífico e sem racismo. Imagina! Só quando se mexe no que se pensa, direito adquirido com usucapião, é que as pessoas colocam o que está escondido lá no fundo, para fora. Mas ainda assim, como uma coisa que os desfavorecidos de sempre, podem engolir, sem nojo! É sempre do fundo do ser.
Todo mundo é bonzinho, ainda mais quem é das elites nacionais. É uma mania danada de fazer filantropia, mas na hora em que se tenta dar condições a todos, para saírem da linha da miséria, é como se quisesse enfrentar toda a sociedade, com atos subversivos que vão contra os princípios e principalmente, o direito constituído dessa Família Brasileira.
- Olha, não que eu seja contra a questão das cotas raciais e sociais, não é isso, mas deviam ser feitas de outro jeito, sabe?
- Mas que jeito Seu Ilídio?
- Ah, sei lá. Só acho essas aí, injustas. Daqui a pouco, vai fazer o país ter racismo por parte dos negros, contra os brancos, dos índios, contra os civilizados, quem sabe, daqui a pouco, isso vira país comunista, os pobres tendo os mesmos direitos dos ancestrais dos Senhores de Escravos. Não dá!
A AMANTE
Seu Ilídio era daqueles tipos de brasileiro, de criação austera. Era do tipo que é cristão, maçom, frequenta Mesa-Branca, quando está muito agoniado, frequenta até terreiro de Umbanda para pedir o mundo aos seus pés, ou seja, desses que atiram para todos os lados e não se vê resultado, quando acertam alguém, o mérito ainda é da bala perdida.
Dona Germana tinha pavor dele pensar que ela tinha “maculado a honra da família”. Era Deus no Céu, Seu Ilídio na Terra. Mesmo que ela fosse financeiramente independente, mas como muitas mulheres brasileiras, completamente dependentes emocionalmente de maridos, de machos que sabem como domar as esposas, como amestrar o que deveriam ser suas companheiras, incutindo nelas, um certo temor de perdê-los.
Um dia, caiu como uma bomba, a notícia de que Seu Ilídio tinha uma amante. Na outra ponta da rua. Casa 32.
- Onde foi que eu errei? Eu deixo a casa limpa, cuido das crianças, deixo a sandália do Ilídio, junto à cadeira de balanço, passo todo dia as roupas deles, das crianças, e assim mesmo, falhei?
Dona Germana estava fazendo o maior escândalo, como se a culpa fosse sua e exclusivamente sua.
Seu Ilídio fora avisado, ainda na rua, de que Dona Germana já sabia de tudo. Nem precisava, de longe podia se escutar os gritos histéricos de Dona Germana, colocando seu Ilídio no pedestal de santo.
Seu Ilídio chegou dando pontapé na porta.
- A culpa é tua! Eu faço tudo para manter a família unida, tu não sabes me satisfazer, quando eu preciso. E olha que não é todo dia que eu te quero. Eu sou homem, tenho minhas necessidades.
Katia interferiu, sem atentar ao perigo.
- Mas papai, a mamãe também tem suas necessidades, faz tudo dentro e fora de casa e nem por isso arranjou homem na rua.
- Cala essa boca sua puta. A mulher é diferente!
Seu Ilídio já foi desferindo um cruzado de direita, no aparelho ortodôntico da menina.
- Viu só? É por isso que eu arranjei amante fora de casa. Tu colocaste até meus filhos contra mim. Vou sair de casa que é melhor.
Dona Germana prostrou-se aos pés de Seu Ilídio, pedindo que não o fizesse. Podia pedir o que quisesse, iria ser uma mulher, uma esposa, melhor. Ela admitia ter falhado como provedora do lar. A mulher cristã que tem de estar sempre preparada para as necessidades do homem. Somente o seu, desde quando perde o cabaço, até que a morte os separe e continue fiel, para todo o sempre. Amen!
Primeiro, aceitou de bom grado, a amante, dentro de casa, afinal, ele era homem, como se isso significasse alguma coisa além de tipo de cromossoma que define a sexualidade. Só. E mesmo assim, hoje, a sexualidade, está em crise. Existem tantas entre o Céu e a Terra que nossa vã filosofia nem faz ideia. Depois, perdeu completamente a autoestima. Comprou a ideia de que realmente a culpa era dela. E fazia tudo para agradar Seu Ilídio. Ao primeiro sinal de descontentamento dele, ela se trancava em copas para ele se sentir o às.
Um dia, a família da Casa 845 se reuniu diante do televisor, inclusive Carmélia, a amante, para ver Dona Germana, discursando, sobre o papel da mulher contemporânea, na sociedade brasileira. Era uma das cabeças dos movimentos que discutem a questão da mulher, da família e do Brasil.
Seu Ilídio aproveitou, para tentar descobrir quem foi que o “entregou”. Afinal, como bom marido, tinha uma amante, mas desde que Dona Germana não soubesse, estava tudo bem. Não magoaria ninguém. Mais uma vez, queria encontrar um bode-expiatório, para acusar de um erro que era seu e somente seu. Mas também isso é muito comum entre este povo mulato inzoneiro, onde canta o sabiá, as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá!
Nosso ufanismo exacerbadamente doentio tem nos salvado de nossa falta de nos ver como somos de verdade, sem fantasias.
KATIA E SEU SONHO DE PRINCESA
Os meninos da casa eram incentivados a serem os melhores, os cidadãos mais destacados na sociedade a serem independentes, como pessoas. As meninas, mesmo que estudassem, o sonho de consumo, era constituir família, ter filhos, cuidar da casa, e, principalmente, vestir um vestido de noiva, caro, que se pudesse usar apenas uma única vez, mas que mantivesse a tradição e ficasse guardado, como troféu, pelo resto da vida. E quem sabe, no futuro, dizer que a mãe daqueles rebentos, já conseguira entrar no vestido de noivo, mesmo que hoje, não consiga vestir, nem botijão de gás, de 18kg.  
Elas já haviam passado pela festa de 15 anos, onde dançaram a valsa com 3 artistas contratados, trocaram de sapatos como a Cinderela, ou seja, ainda eram mantidas como as mocinhas dos contos infantis e assim sendo, só podiam sonhar com seu Príncipe Encantado, para serem felizes por toda a eternidade. Sem uma pomba para chamarem de sua, seriam eternamente recalcadas.
Katia, seguindo a tradição de família, casou, foi uma festa daquelas, onde o amor pode nem existir entre os nubentes, mas se faz questão de declará-lo em voz alta, mais aos convidados, do que vivenciá-lo em verdade.
Ela engravidou de propósito, para forçar o Adalberto, a casar com ela. Foi o casamento mais rápido do mundo, desde a decisão, até depois, quando cada um foi para a casa dos pais e nunca mais se encontraram, até o dia de assinarem o divórcio.
Seja como for, ela realizou dois sonhos de mulher brasileira. Casou, ou demonstrou à sociedade que tem condições de “pegar” um homem. E gerou uma criança no bucho. Pronto, era a realização suprema, ainda nestes tempos.
Assim que Ilídio Neto nasceu, já pensando na herança que poderia tirar dos avós, começaram a ensinar-lhe, como ser brasileiro tradicional. O alvo era sempre a Maria. A empregada que foi mantida inculta, justamente para ser tratada como escrava, sem direitos, ainda hoje.
- Tu vais casar com a Maria. E vão ter negrinhos, por todos os lados.
Aquilo, dito assim, fazia com que o menino visse a cor, como uma questão onde não se pudesse chegar perto.
- A Maria vai te levar pra morar com ela, lá na periferia!
Um dia, receberam Antônio, um Deputado Federal que apesar de branco, de família abastada, membro de todas as elites nacionais, escolares, financeiras, sociais e políticas, não gostou do que vira.
- Mas vocês, incentivando o preconceito, o racismo, dentro da própria casa?
- Que racismo meu querido?
- Ilídio, essa brincadeira é de cunho puramente racista! É uma discriminação com o próximo, sem par.
- Lá vem tu. Só porque viraste político, não se pode nem brincar que já é crime? O Brasil está perdido. O que será daqui a pouco? Não se pode mais bater em filhos, não se pode mais abusar da mulher, não se pode mais ser o patrão da casa, daqui a pouco, vai se querer que nós é que tomemos o lugar dos serviçais.
- Mas tu és muito racista!
- Eu? Nunca. Eu sou brasileiro! E além do mais, está na Bíblia!
TRAÇO DE PERSONALIDADE, OU ERRO CRASSO?
Seu Ilídio expulsou de casa, o Gondim, colega de Domitila, por achar, sem nem ter certeza, que ele era homossexual. Mas, quando essas minorias conseguiam vencer suas lutas, por direitos, ele mesmo, Seu Ilídio, usava as redes sociais, para postar mensagens se solidarizando com a luta “desse povo sofrido que merece respeito”. Enfim, qual a cara da nossa gente? De máscaras, de blush, ou cara lavada? Somos o país do carnaval, vestimos fantasias, desde a hora de acordara, até depois de dormir. Temos pavor de nos mostrar como somos de verdade. Pavor! Sempre temos uma desculpa, para justificar nossas falhas.
Então, organizou-se a SEGUNDA MARCHA PELA FAMÍLIA, PROPRIEDADE PRIVADA E POR DEUS. Lá estava a Família da Casa 856, reunida, em peso. O que seria do Brasil, se os índios fossem vistos como gente, os negros ascendessem culturalmente no processo de cotas, as mulheres quisessem ser iguais em direitos e deveres aos homens, os homossexuais, tivessem inclusive, o prazer de gozar com quem bem entendessem?
Então, um dos canais estrangeiros, presentes, acompanhando aquela manifestação de caráter familiar brasileira, entrevistou Seu Ilídio, sobre a Marcha.
- O Senhor acredita que esta marcha, essas reivindicações são uma mostra que as elites nacionais, continuam presas às tradições e muito arraigadas com medo de mudanças, quando alguém pede respeito, ou melhores condições de vida, elas, as elites, acham que é revolução da pobreza, para desmoralizar os sempre “bem nascidos”?
- Nunca! Nós somos um país de gente cordata, de gente respeitadora, de gente que vê todo mundo, como igual. Eu sempre ajudei com as roupas velhas, uma babá que é oriental. Ela hoje é graduada. Muito pelo que a ajudamos. Nós temos uma neguinha na cozinha que é permitido fazer tudo o que é comida, sem interferência alguma de ninguém. Todos, temos colares indígenas, que compramos quando visitamos esses hotéis de selva que tratam os tribais, como animais no zoológico e se os visita em suas malocas, como monstros de circo. Como a senhora pode ver, nós nos damos muito bem com todo mundo. Todo mundo tem de saber seu lugar no mundo, senão, vira bagunça. Desde que cada um faça sua parte, nosso país vai manter essa docilidade eternamente. Se fizerem o contrário, aí, nós botamos os cachorros na rua.
BRASIL! IL! IL! IL!

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OBSERVADORES DE PLANTÃO