quinta-feira, 1 de outubro de 2015

ERA CARNAVAL E FOLIA


1º de outubro de 2015
Era década de 1980, talvez, início de 1990, talvez Terça-Feira Gorda, último dia de carnaval. Eu, um homem que segundo uma ex-namorada, fui um ermitão vivendo na caverna numa outra encarnação, deve ter ficado algum resquício nesta, peguei o carro e fui procurar uma festa para ir. Como sempre, estacionei lá longe, dava para pegar um táxi de ida e de volta, só para ir do carro ao clube. Mas quando se está com vontade, nada é distante, nem difícil de atingir. Como diz o livro do escritor de Jonathan Gaivota, em outro livro. LONGE É UM LUGAR QUE NÃO EXISTE.
Entrei na fila, comprei a entrada e entrei. De repente uma colega de Exatas estava lá, também sozinha.
Tenho quase certeza que se chamava Antonia, era da Matemática, morena, um pouco mais alta do que eu, esguia, magra, mas com carne, um rosto até bonito. Cavalo dado não se olha os dentes e um cavalo e tanto.
Então ela me perguntou como entrei. Comprando, indo para a fila.
- Ora, era só me avisar, eu te colocaria de graça, era só vir aqui em casa...
Eu vou saber que ela mora na Vila Militar da Aeronáutica, que tem acesso grátis isso tudo? E muito melhor, estacionaria em segurança e ao lado.
Dançamos a noite inteira, o problema é que todo mundo parece que estava incomodado conosco. O que fazíamos, os olhares até dos soldados, pareciam nos seguir.
Ela foi ao banheiro e me pediu para esperá-la do lado de fora. Tudo bem. De repente apareceu uma frentista do posto próximo de casa, da família da Patrícia da Agronomia. Nunca tinha dado muita importância à ela. Havia outra frentista, gordinha, branquinha, gostosinha, mas eu acho que quem “chegava junto”, era Seu Clóvis. Ele parava no posto, quase todo dia, conversava com o irmão da Patrícia por horas, ela se derretia toda, vinha logo atender. Até tentei puxá-la para dar uma carona, algo assim, “conhecermo-nos melhores”, esses papos bestas. Nem ao menos, um não. Eu não existia para ela, mas Seu Clóvis... Não era caboco de Macumba, mas devia baixar naquele corpo. Dizem que ele era fiel. Então não sabe o que perdeu!
Então, de repente aquela outra frentista, fez a diferença. Quando entrou no banheiro, estava vestida normal, com uma velha toda despencada, que parecia a assessora de imprensa dela. Eu queria conversar com a frentista, a velha se metia.  
A Antonia demorou um pouco e a frentista saiu antes. Deus do Céu! Pelo bem dos meus gatinhos! Linda! Linda! Linda! Ela vestiu sua fantasia. De índia, mas índia mesmo, algumas penas e só. Eu estava ainda, com a Antonia. Pensei muito em ir “brincar” de carnaval, num lugar só eu e ela, mas a velha estava enchendo o saco. Sabe aquelas feias que ficam ao lado da bonita para ver se sobra para elas? Era a acabadinha da velha. Estava a fim, de ir de troco.
A frentista no posto era apagadinha, a gordinha era mais destacada, ainda mais quando Seu Clóvis chegava. Ficava “piscando”... Era um macacão marrom, escroto, com o símbolo da Shell, no peito. Havia outra farda que usavam pouco, era mais bonita. Acho que era um macacão branco, com umas faixas no peito. Mas quando ela saiu fantasiada, encima de um salto altíssimo, era outra pessoa, parecia que tinha recuperado toda a autoestima. Não se parecia com nada com a frentista do posto. E olha que macacão nunca escondeu os corpos. Só me lembro da “Carla Perez” do Posto 700. Muito mais gostosa. Até minha namorada à época, achou. Uma vez fui colocar combustível e a “Carla Perez” veio me atender. Faltou troco, eu pagava à vista em espécie, ninguém tinha moedas e ela então recomendou:
- Amor, volta mais tarde que eu vou ter troco e te doi!
A hora dela ir embora, lógico que eu voltaria. De repente minha namorada encontrou moeda até demais. Não precisei nem voltar, que pena.
(...)
Aquela frentista que se transformou, até me lembrou de um fato acontecido na academia de ginástica. Eu conversava online com uma garota chamada Mel, todo dia. Um dia ela estava em Manaus, depois estava em São Paulo, sua terra natal, voltava, ia, até que ela disse que me conhecia.
“Eu sou amiga da... sua amiga. Eu malho toda noite, atrás de você. Eu sou vizinha da Delia.”
Mas rapaz, eu conhecia a Delia que era vizinha da minha amiga que minha ex-namorada chamava de “piranha”, “galinha”, “vaca”, “puta” etc., e a Delia ainda malhava comigo, minha amiga foi impedida pelos pais depois de um escândalo, ou uma fofoca. Então, cheguei à academia e chamei a Delia.
- Quem é a Mel?
- Esta aqui!
Pegou nos meus ombros e virou para trás. Atrás de mim, no meu cangote. Até escutou eu perguntando quem era ela.
- Oi Mel, tudo bem? Por que tu não falavas quem eras tu?
Havia uma amiga da Mel que não falava, era completamente apagada também. De repente, um dia nossa coleguinha vestiu um uniforme de sex-gimnastic, tipo 50 tons de supino e de glúteos. Gente, aquela garotinha que eu até pensava que era sapatão, virou um mulherão. Um shorts de lycra, do púbis à virilha, quase nada, um top que deixava à mostra, quase tudo, meu Deus do Céu! Aquilo tudo ficava escondido sob aquela roupa escrota, assexuada? Era uma delícia! A amiga da Mel ficou em um canto, ficou um monte de gente em volta, conversando, eu olhava para ela, ela olhava para mim, mas ficou por isso mesmo. De repente aquela apagadona, virou o centro da atenção.
As mulheres têm de se mostrar mais.
Sempre digo que uma vez em que o Benjamin veio à Manaus, queria ir ao Paulo’s Bar, todo dia. Era carnaval, se não me engano. Uma vez, disse que não teria ninguém, para ficarmos em casa. Ele insistiu. Só a mesa onde estávamos, um vazio enorme. Depois de horas, já de madrugada, entraram duas garotas. Ele fez sinal, ficou logo com a branca e veio me perguntar se eu não queria ficar com a amiga dela. Mas nem morto! Um vestido enorme, com laço, uns óculos enormes, tipo Jotalhão da Turma da Mônica, nem com dez anos de Operação Sobrevivência, 10 quilos de maconha nos cornos, 10 litros de vodka no bucho, não tinha jogo. Ficaram três mesas. Eu, ela e o casal em outra.
Parecia embrulho para clínica oncológica, toda embrulhada.
De repente aquele canhão desapareceu. Voltou depois. Sem óculos, com uma calça leg colada, uma camisa sensualíssima, era outra mulher. Agora sim, dava para ter pelo menos uma peladinha. Falei ao Benjamin que eu podia ficar com a amiga da garota dele. Ela se fez de besta, agora quem não queria nada, era a jaburu que virou cisne.
(...)
Voltemos ao carnaval.
A frentista pronta para brincar de índio, minha flecha até de sinal de vida, mas eu ainda estava com a Antonia, ela estava no banheiro, então ela se foi, eu fiquei pensando o que poderia ter sido.
Então a Antonia saiu finalmente do banheiro, voltou. Tomara que tenha lavado as mãos, pois pelo tempo que ficou, deve ter feito muita besteira. Voltamos a dançar, de novo, sob os olhares do pessoal presente. O pessoal da Aeronáutica estava preocupado com a Antonia. Devia ser isso, porque estávamos dançando até muito religiosamente, só dançando mesmo. Ou será que descobriram que havia um comunista infiltrado, dançando com a filha de um oficial? Pode ser. Comunista não come criancinha? E a Antonia, apesar de grande, tinha um rosto quase infantil. Só depois é que descobriram que quem “com” criancinha mesmo, são os padres católicos. Não é ideologia, só orgia mesmo.
Mas de repente, lá vem um soldado da Aeronáutica, avisar que o Coronel a estava chamando. Era hora. Mais, ou menos, meia-noite, ou 1:00h da madrugada. Só na história da Cinderela que a protagonista tinha de ir antes das 12 badaladas da madrugada, porque a carruagem virava jurumum, os cavalos puro-sangue, viravam ratinhos, até as vestimentas da protagonista voltavam a ser retalhos. E ela ainda continuava a mesma. Começo de festa ainda, só havíamos dançado até agora. Havia hora marcada para voltar para casa.
Ela até ficou mais um pouco, mas depois, outro soldadinho. Papai está chamado e desta vez, teria consequências. Toque de recolher compulsório. Não teve jeito, foi embora, entrou numa porta que dava direto à Vila Militar e desapareceu. Fiquei sozinho de novo. Fui procurar a frentista. Lógico, com aquela fantasia e aquele corpo, já estava acompanhada.
Bem, fiquei dançando, sempre aparece quem está só também, mas nem me lembro. Depois de um tempo, já estava suado, decidi descansar um pouco, fiquei embaixo da estrutura da mesa de som. Estava quase acabando já, o pessoal já começava a ir embora. Sentei! Tudo de ferro e uma estrutura reforçada. De repente aparece uma conhecida minha, do ICHL, daquelas super legais, mas sem a menor atração, acho que nem se ficar nua, é tão sem sal, tão sem sexo, estava acompanhada com uma loira.
- Podemos sentar?
- Lógico!
Não havia mais nenhuma chance de pegar a frentista, eu estava me preparando para ir embora sozinho, quem sabe, no caminho...
Fomos apresentados, minha conhecida me contou a triste história daquela mulher. O marido era malvado, não ligava para ela... Eu não quero nem saber. Por que as pessoas têm de contar uma história triste, para fazer o que desejam? Será que é uma tentativa de não ser considerado pecado?
Eu não tenho nada a ver com o relacionamento dos outros. Quem jurou amor eterno ao outro que se resolva em sua relação. Eu estou só na reserva, comigo, é outra relação, não tenho nada a ver com a outra. Eu nunca jurei amor eterno a ninguém.
Ficamos juntos, tudo bem, tudo legal, ela me falou onde morava, justamente nos arredores de onde minha família morou antigamente.
Depois do carnaval, Tio Acataua Açu foi em casa e me lembrei. Perguntei se ele conhecia uma Fulana assim, assado. Que coincidência. Conhecia até demais.
- O marido é uma pessoa que trabalha duro, empresário, faz tudo o que a família quer, vive para o trabalho, não deixa faltara nada em casa... Blá, blá, blá...
Eu só perguntei se ele conhecia a Fulana de tal. Só isso. Tinha ódio da mulher.
- Olha, tu nunca vais encontrar uma puta que não te conte uma história triste. Todas elas, sempre são sofredoras. Só viraram putas, por um motivo, nunca porque querem.
Puxa, acho que ele quis “chegar junto” e nossa colega não deu para ele. Ou era apaixonado pelo marido dela e ela era muito melhor do que ele. De corpo, rosto e por ser mulher.
Mas pelo menos sei onde é a empresa, onde mora a mãe, o pai, onde ela mora, quantos filhos. Ficha corrida completa.
Décadas depois, Tia Jória que foi nossa professora no grupo escolar, tia-avó, que já foi desta para a pior, completou 90 anos e foi uma grande comemoração. De repente chegou um padre, com uma loura, comum, sei lá, não prestei atenção. Não suporto mulher santa, ela era assessora do padre. Só podia ser santa, metida a santa, carola. Deus me livre!
Então ficou todo mundo virado para o padre. Reza, orações e o pessoal me dizendo para sossegar, porque a assistente do padre estava incomodada comigo. Não parava de me olhar. Eu estava sossegado! Não tenho culpa das pessoas acharem, que por eu ser ateu apoteótico e romântico, as pessoas acharem que eu estou sempre sacaneando as religiões.  Eu hein.
- Olha a assistente, não tira o olho de ti. Ela está se incomodando já, com a tua brincadeira.
De vez em quando, vinha uma prima dizer que eu estava incomodando. Dona Therezinha deu aquela olhada de fuzilamento do Pelotão de Fuzilamento na Guerra Civil Espanhola. Mas o que eu estava fazendo?
Depois de tempos, conversa entre a família, falaram na assessora do padre.
- A filha da Fulana, de quando morávamos lá, a mãe era mais bonitas, mas são todas bonitas também, agora é assistente do padre...
Meu Deus do Céu. A loura coitadinha do carnaval. Não a reconheci. Nem prestei atenção nela. Ela estava olhando, não era porque eu estava fazendo nada, é porque ela se recordou, eu não. Ainda está casada. Que ótimo, pena que não tenha me lembrado.  
E cheguei em casa, depois daquele carnaval, acho que depois do meio-dia. Quarta-Feira d Cinzas, naquela época, não se trabalhava depois do meio-dia, era folga para descansar geral.

Tudo muda, quem não atenta para isso, quando a mudança vem, tem um choque de realidade, como hoje, o pessoal que ainda quer a volta do Brasil rastaquera, concentrador para uma pequena parte da população apenas. A Elite Casa Grande que quer se igualar à burguesia internacional, mas como sempre, valendo-se da miséria no atacado.

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OBSERVADORES DE PLANTÃO