7 de outubro de 2015
Vou te
contar minha história. Eu sou um grão de arroz, nascido sem pai, nem mãe, nem
cheiro, porque, segundo me disseram, nasci nos laboratórios da Cargill, ou da
Monsanto, não sei bem, aquelas empresas que detêm os royalties sobre as sementes transgênicas no mundo inteiro, o que as
faz ricas, mas empobrecem o mundo e ainda fazem dos consumidores, verdadeiras
cobaias. Quando países africanos ficaram à mercê dessas sementes, a fome
aumentou, porque a cada nova plantação, como as sementes são estéreis, tem-se
de comprar mais dessas multinacionais, diminuindo as áreas plantadas,
aumentando os custos, e inflacionando a oferta dos produtos.
Dizem
que eu sou “melhoramento genético”. Só não disseram, melhoramento, para quem.
Então,
ainda semente, enterraram-me. Como em filme pornô de sexo anal, estrelado pelo
Kid Bengala, bem fundo. Eu aguentei, mas não sei como aquelas meninas aguentam
engolir uma banana daquelas, pela boquinha de macaco.
Fui
aflorando, até um dia ver a luz do sol. Sim, nestes tempos de aquecimento
global, onde o sol é o que menos se vê, mas se sente todo o efeito do efeito
estufa, já cheguei murchando. Às vezes eu acho que é mais vantagem, nestes
dias, morrer, do que insistir em viver. A vida está se tornando um tormento e vai
piorar, a menos que se tomem providências radicais. Extinguir a Cargill,
quebrar, literal e representativamente a Monsanto e acabar com o lucro privado
que para ser conseguido, tem nos deixado à míngua, quase como um Inferno em
vida, justamente quando a estupidez humana voltou a tratar o mundo, como coisa
de Deus.
Então
fui crescendo, crescendo e me vi afogado, já na lama. Eram charcos imensos, só
de plantação de arroz. Uma família imensa que não se comunica, como essas
famílias ligadas em redes sociais, onde à mesa, depois que a Coca-Cola propagou
que se alimentar em família é uma boa, mas parece que não entenderam bem. O pai
se comunicando com a empresa, no Whats App, a mãe, marcando uma foda com o
garanhão, no tablet, a filha fazendo cyber bullying, os gêmeos, invadindo as redes de notas da escola, para,
transformar o, com louvor, por 10. O retrato da família feliz e bem estruturada
de nosso tempo. Ah, faltou a diarista, ligada, marcando com os comparsas, a
melhor hora de invadirem a casa, para levarem tudo de valor. E juram que isso é
o progresso da comunicação. Com quem?
Eu
sempre me senti rejeitado pelo mundo.
As
abelhas não passavam nem perto, os insetos queriam distância, aqueles que
chegavam junto, eram logo dizimados, enfim, eu vivia como em uma redoma, no
meio da natureza. Melhoramento genético é como progresso na boca de quem tem
pouco estudo e pensa menos ainda. Pode ser uma bosta, mas a resposta é sempre
progresso.
-
Estão acabando os rios
- É o
progresso!
- O
número de animais na lista de extinção quadruplicou.
- É o
progresso!
- A
senhora sua mãe está dando o cu no puteiro, a um real.
- É o
progresso!
- Estão
dizendo que o senhor é gay.
-É o progresso!
Então,
de repente chegou uma ceifadora e foi cortando tudo que havia no caminho.
Entrei numa máquina verde que colhia os grãos e descaroçava e jogava fora tudo
o que não interessava, para criar húmus, diziam. Tem quem ache que é sujeira,
folhas e restos orgânicos, espalhados pelo solo. O mesmo pessoal que acha que
tudo é progresso.
Então
fui lavado e pensei que fosse parque de diversão. Passamos em grupo, por uma esteira
que parecia trenzinho de criança.
-
Woohoo!
Gritávamos
extasiados. Aí é putaria.
De
repente foram nos separando por tamanho. Eu entrei num saco transparente e só
dava para enxergar pela escotilha. Ainda dava para ver meus outros irmãos, em
outro recipiente. Ainda pensávamos que fazia parte da diversão.
Viajamos
de caminhão, de trem, de navio e alguns, até de avião. Aí eu gostei.
De
repente me vi numa gôndola de supermercado, um barulho que eu não estava
acostumado, em vários idiomas, gente falando por todos os lados. Uma hora era
uma voz anunciando.
-
Coca-Cola em lata, por apenas um dong. Aproveite, aproveite, grande promoção de
queima de estoque!
Aí
umas mulheres que se encontravam e gritavam mais do que se tivessem sentado em
chapa quente.
- Chin
Lin, que absurdo! Um hashi por cinco
dólares?
- É a
crise Li Ping! Daqui a pouco, vamos ter de nos acostumar com um só pau na boca.
- No
tempo do Mao, isso nunca aconteceria.
- Viu
a tal reforma do Deng Xiao Ping, onde acabou?
E tocavam umas músicas fuleiras o dia inteiro.
-
Agora, grande sucesso no Brasil. Compre o CD do Gustavo Lima.
Deus
me guarde. Havia uma argentina muito puta, com essa mania de chamar porcaria de
cultura popular. E malhou o que pode, bem perto de mim. Acho que se chamava
María Teresa Nidelcoff.
- A
primeira pergunta a ser formulada com relação a isso é se realmente existe uma
cultura popular. [...] A cultura burguesa se SUPERPÕE e se IMPÕE à cultura
popular de diversas maneiras. [...] São lançados no mercado produtos culturais
de um nível de qualidade deplorável; e destinados às classes populares:
fotonovelas, discos, certos cantores e programas de televisão.
Ainda
que massivamente consumidos pela classe popular, porque não são criação do povo
e sim dos setores dominantes – aumentando assim a alienação do povo.
A
María estava de TPM nesse dia. Imagina se fosse eleitora do PSDB nestes tempos
de derrota constante, aí iria descer dos tamancos. Iria querer inclusive dar um
golpe de estado, para finalmente vermos o que chamam de democracia. Deles.
Mas de
repente alguém me pegou e me colocou em um carrinho. Tanto tempo exposto,
finalmente começou de novo a diversão. A senhora era daquelas que tudo o que o
anúncio dizia, ela corria para a sessão correspondente. Disseram que tem muita
gente assim, hoje em dia. Consumo não é mais uma questão de necessidade apenas,
como diziam os economistas clássicos, mas uma questão de status, de demarcar seu espaço na imagem social. Tem quem consuma
tanto que acabe se achando vazio. Porque só não compra o que precisa de
verdade, antes de tudo, quer se mostrar aos outros. Mas quem paga a conta, é o
jumento!
Depois
de muito andar, cheguei à outra esteira que corria bem menos. A moça sentada do
outro lado do balcão, só falou uma vez.
- Quer
fazer recarga para celular?... Algum produto que não encontrou?
E de
cabeça baixa, não olhava para a frente, nem por decreto. E olha que tem gente
ganhando dinheiro de otário, com umas tais redes de felicidade no atendimento.
Ninguém sabe o que significa isso de verdade, mas que tem tolo para pagar, nem
se fala.
De
repente fui colocado num outro saco e não vi mais nada. Acho que é um teste
para as sensações. Eu sei que eu estava em movimento, mas como, para onde, nada
disso. Como aquela gente que fala muito em “direito de ir e vir”, mas que tem
um nível de inteligência, abaixo do medíocre e por não saber discernir sobre
nada, vive sendo manipulada. Eu ia, vinha, mas para onde? Eu era apenas um
produto nas mãos de quem decidia por mim.
Jogaram
tudo num lugar e fecharam. De novo comecei a me mover. Mas agora, ainda mais
escuro e mais rápido.
Finalmente
chegamos. Então ficou tudo espalhado e madame mandava os filhos colocarem as
compras em uns apartamentos, cheios de coisas. Eu conseguia enxergar de novo,
da escotilha. Fiquei junto dos potes de milho, de cogumelo, de catchup, de mostarda e alguém gritou que
aquilo parecia lata de sardinha, de tão atulhado. As sardinhas, ao meu lado
direito, não gostaram muito.
-
Mano, por que sardinha? Tem atum, polvo, cavala, lula, uma porrada de lata, tu
invocas logo comigo que estou em banho-Maria, meu? ‘Tá tirando com a minha
cara? Orra meu!
Ainda
bem que a turma do deixa disso entrou no meio.
- Ôxi,
‘tá escuro pra picas e um calor do caralho e vocês vão brigar? Fica calmo meu
rei!
Dormitei
por um bom tempo, tudo escuro e calmo, hibernei por um bom tempo, não sou urso,
nem sapo, mas botei o sono em dia, juro que pensava que iria passar minha vida
inteira ali.
Até
que um dia abriram tudo, estava livre de novo, pude sentir o ar de novo, mas de
repente me colocaram em uma panela quente, com umas cebolas, azeite, sal,
manjericão, ervas finas que algumas foram muito grossas comigo e misturaram
tudo. Quando pensava que iria ficar de um lado, era jogado para o lado oposto,
quando via, uma colher de pau que Deus me guarde, encima dos meus cornos.
Comecei a suar. Mas peguei um bronze, como nunca mais. Esqueci meu protetor
solar. Mas deixa, depois a gente cuida disso. O câncer de pele é cumulativo.
Agora, uns 20 anos sem tomar sol, nem em frente ao televisor.
Começaram
a jogar água quente na gente. Eu me senti sufocado. Que porra era aquela?
O filho
mais novo veio perguntar se era arroz para o almoço, ou arroz doce. Eu é que não
tenho mãe e o garoto frescando a paciência. É o que tiver. Menino muito mimado,
escolhe o que comer. Filho de pobre come até tatu. E agora é tanta doença
relacionada à alimentação. Estão reclamando de barriga cheia. Deixe numa
Operação de Sobrevivência, para ver se não acabava essa frescura, ou senão,
morreriam de fome, ou de comer.
Pronto,
eu me senti servindo o Exército. Para sair da panela para o prato, tiveram de
tocar corneta. Alguém gritou.
-
Ordem unida!
Outro
mais otimista, disse.
-
Unidos venceremos.
Logo
começou uma gritaria enorme.
Arroz unido,
Jamais será comido!
Você aí parado,
Também vai ser degustado.
Unidos, reunidos,
Pra não sermos deglutidos!
Acho
que lá fora, tocavam algo para nos despertar. Assim:
Acorda recruta
Seu filho da
Uuuuuuta
Recruta seu filho da
Uta
Seu filho da
Uta!
Seu filho da
Uta!
Quando
a gente pensa que não pode ficar pior, piora como nunca. O glutão veio me comer
com dois paus. Eu era virgem até aquele momento, não que eu me importasse com
selo de qualidade, mas assim, de uma hora para outra, dois pauzinhos, não
estava preparado. Deve ser para compensar o tamanho, eles colocam em
quantidade.
Pronto,
comeram-me, morderam-me, fiquei molhadinho e agora era a hora do tobogã. Desci
um caminho cheio de curvas. Até chegar em uma piscina cheia de ácido. Aí já não
é brincadeira. Fazer o quê. Voltar é muito difícil. Disseram que se eu
prosseguisse, iria ser reto. O jeito foi descer. Fiquei um dia inteiro esperando o passaporte
de saída. Um bolo enorme, já todo pretinho básico. Aliás, marrom, sei lá que
cor é aquela de burro quando fode. Pensei que fosse aniversário de alguém,
quando me disseram que tinha o pomposo nome de fecal. Gostei. Fecal, será de
fécula? Fécula de arroz. Bonito, só que já não sabia quando começa eu e quando
terminava mim. Misturou tudo.
No
outro dia, despertei com um barulho que parecia trovão. Balançava tudo. Acho
que de novo estava em movimento. Mas rápido, muito rápido. Um buraco escuro e
fedido, dizem que mesmo assim, tem muita gente que gosta. Tinha gente se
encrespando, querendo respeito.
- O
que é isto? Eu mereço ser tratado com dignidade. Isto aqui é um cu!
Uma mixórdia
danada de novo. Quando senti, fui expelido, no meio de um monte de merda. Que
vida.
Acabar
no cu, é brabo, mas depois ainda virar fezes, é de feder. Mas não era o fim.
Jogaram
um monte de serragem, fiquei com desidratação. Uma merda dura e seca. Pelo
menos não fedia tanto, pois as bactérias foram pastar em outro orifício.
Então
me jogaram num forno enorme. A última coisa que me disseram, era que era um
biodigestor para gerar calor. E precisa? Acabei no Inferno. Só não consegui ver
o Satanás, nem o Príncipe de Luz, ou das Trevas, ainda. Dizem que é a maior
mentira, história para boi dormir.
Esta
foi a minha história.
Mas
daqui eu vejo que meus irmãos que ainda estão penando naquele mundo, estão
piores do que eu. É crise moral, é crise hídrica, é crise de alimentos, é crise
migratória, mas tem gente que defende tudo isso, com aquela palavra mágica.
- É o
progresso!
Mas têm
outros ainda piores que só sabem repetir, como autômatos em curto circuito.
- É a
provação! Deus está nos testando!
Será Deus do controle de
qualidade, Ou da PROTESTE? Vive testando e o mundo a cada dia que passa, fica
um Inferno, justamente porque esse povo de Deus, é ávido em ter tudo, imediatamente
e com isso, degrada o mundo, como se fosse acabar daqui a pouco. O que foi um
Paraíso está se tornando um lugar inóspito para viver. Por causa da ignorância,
da inoperância e da estupidez de poucos que estão prejudicando a todos.
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