terça-feira, 19 de março de 2013

A FILHA DA VIÚVA


Numa das tantas vezes que não concordei com Seu Clovis, ele chegou fazendo a maior festa, para uma garota que havia passado no vestibular. Ela, mais velha do que eu, havia tentado vários e vários, em muitas áreas diferentes, até que passou em um. Foi motivo de regozijo. Falei que eu, que passei de primeira, na primeira opção - depois, de cinco que prestei, passei em quatro -, ele nunca havia dito nada, além de “não fez mais do que a tua obrigação”, mesmo que não tenha gasto um tostão em cursinho, pois a primeira, única e última vez que entrei em um, foi para chamar minha irmã mais nova, para irmos para casa, pois já estava passando da hora e ela não se dignava a sair da escola, daquele antro que faz com que se acredite que não se precise estudar os anos todos de Ensino Fundamental, Básico, Segundo Grau, o que seja, pois a salvação, está em fazer um ano, ou até menos do que isso, uns intensivos na vida e pronto, a Educação do Brasil está resolvida.
Seu Clovis tinha muito disso, de ficar com pena, porque Fulano era pobre, Cicrano era de fora, Beltrano não tinha escolaridade, mas de outra feita, não queria mudanças profundas, queria que se mantivesse tudo, como estava. Ser pobre é problema? Então, ao invés de se dar chance ao Fulano mesmo sem qualificação alguma, vamos discutir como acabar com a pobreza. Parece o mais razoável para mim. Cicrano era forasteiro? Só por isso, dar uma oportunidade a ele? E os que são daqui e estão na mesma situação, por que não se dá as mesmas chances? O Beltrano não tem escolaridade? Que tal discutir onde está o X da questão se não for por preguiça pessoal, ou por uma escola que não sabe chamar o estudante para ter curiosidade com o que ensina, onde está o problema? Que nada. Vamos dar oportunidade a esses poucos, está resolvido demagogicamente o problema, mas os outros tantos, em situações até melhor, continuarão do mesmo jeito, sem oportunidades. “Problema deles!”
O problema dele, é que perdeu o pai, muito cedo. Então, tiveram de “ralar” para “ser gente”. E desde então, privilegiava as pessoas com menos recursos financeiros, mesmo que essas, não quisessem sair da mesmice, só por serem vistas por ele, como coitadinhas. E desde então, sempre levava em consideração, em primeiro lugar, a questão do coitadismo, em detrimento à questão da capacidade.  E muito religioso, daqueles de ficar dormindo até mais tarde aos domingos, mas fazer questão que a família vá assistir à missa das 6 da madrugada, sem falta, sem chiar, nada como ser um demagogo cristão, alguém que não resolve nada, mas faz uma média para a plateia, danada. Dizia que o pai dele, ateu de carteirinha, um cargo vitalício, equivalente a Secretário de Estado de Saúde e professor, dizia que rezar não fazia mal a ninguém. Se bem não fizesse, mal é que não faria. Então porque não acompanhava a família também, para a igreja? Quem sabe, a demagogia seja genética. Graças a Deus, devo ter puxado à outra família.
Até hoje, não consigo conceber como gente de todas as idades, de todas a etnias, de todas as classes sociais, de todo tipo de escolaridade, possa ir à um culto desses, como fui dia desses e ficarem como uns idiotas, quase em transe. “Que vergonha!” A exacerbação da idiotia, para se vender ao mercado dos filhos de Deus. Já disse que se precisa fazer mais testes psicológicos nessa gente. Os manicômios não teriam vaga por muito tempo. Até o Paulo Monte, meu companheiro de discussões filosóficas por algum tempo, na Universidade do Amazonas, cantando, ou seguindo o telão, aquela coisa bem mundana, bem na frente do púlpito, ele ao meu lado que nem uma besta. Que ridículo! “Vai tomar no ânus!”  O pessoal prefere se mostrar assim, do que remar contra a corrente.
Então, desde lá, daquele show de demagogia bem religiosa de Seu Clovis, eu penso como é fácil, vencer, pelo discurso da filha da viúva. Esse discurso barato que desvia a atenção do foco central, para a coisa banal. Não se permite nem que as pessoas escolham ser competentes. Muito pelo contrário.
JOANINHA A MENINA ESPERTA
Joaninha era uma garota, como tantas outras crianças, que nasceu com capacidades tais, mas no Brasil. Ou seja, onde se vê primeiro a excepcionalidade, ao invés de se tratar do comum a todos.
Joaninha jogava futebol, basquete, volley, handball, com os meninos da vizinhança, sem problema algum. Certo dia perdeu um jogo onde havia muita rivalidade, por um erro seu. Pronto, Dona Felismina, ao invés de falar para ela treinar mais, procurar se entregar de corpo e alma à competição, acariciou o seu ego, dizendo que ela era uma menina e não devia estar junto dos meninos, num jogo tão violento.
Desde então Joaninha, percebeu que é melhor procurar desculpas, do que se esforçar. Mamãe estava sempre culpando os outros, por suas debilidades, ao invés de deixá-la procurar ser melhor, até como pessoa.
Via que o menino que era craque, nem era tão respeitado assim. Muitos achavam que ele já havia nascido assim, feito, pronto, e por isso, não devia ser parabenizado por seu esforço pessoal. Já ela que sempre ganhava carícias e presentes, quando se mostrava fraca, fez ver que muitas vezes, quem vence não são os melhores, mas os mais preguiçosos, por causarem pena, por se ter essa visão de mundo, grosseira, de agraciar o pior, para não abalar suscetibilidades, justamente por medo que o cidadão cresça, saia da infância social e com isso, comece a questionar. Prefere-se formar uma sociedade doentia de profissionais que repetem sem pestanejar seus afazeres, como foram devidamente amestrados e fora disso, ajam como eternas crianças, justamente, por não se deixar que cresça com devem, que passa de mãe para filho de pai para filha, para preservar o estado das coisas.
A ESCOLA
Joaninha viu que se fizesse cara de coitada, a mãe, depois a madre-superiora, a professora, todo mundo, teria pena dela e a deixaria colar, assinar o nome no trabalho que não fez, passar de ano sem ter aprendido nada etc. E assim, cresceu, aprimorando mais o discurso do coitado, do que profissionalmente e como cidadão que deve devolver à sociedade, tudo que lhe foi relegado.
Ela era extremamente individualista, e a cada nova inserção nesse subimundo, ficava pior, com tudo e com todos, mas muita gente achava que esse seu perfil, era por enfrentar dificuldades.
Coitadinha, era filha de viúva. Mesmo que de viúva rica, mesmo tendo carinho de todo lado, mas inferiam, sem pesquisar devidamente, como sempre acontece, que devia sentir muita tristeza. A mania das pessoas acharem, sem terem certeza de que é realmente aquilo que acontece. Fazem uma realidade em suas cabeças e saem colocando a sua realidade, como a realidade do mundo. “Loucura! Loucura! Loucura!”
Tudo isso, fazia-a crer que vale mais o discurso, do que a qualificação em si.
Era bem relapsa, não tinha cultura nenhuma, mas tinha sempre as melhores notas. Quem não sabia, não podia entender como. Mas, só para exemplificar, uma vez, quando todos os colegas tiraram no máximo nota 7, o professor deu-lhe 9,65, não pelo trabalho em si, mas porque já se tinha acostumado a vê-la como a filha da viúva, a coitada que de pena em pena, enche o bico.
Quando as notas foram entregues, todos suspiraram aliviados, menos Joaninha que se esgoelou, bateu pé, deu piti, até que o professor teve pena dela, ou melhor, teve mais pena e deu-lhe 10,00.
Era o tipo de cidadão que se cria, até hoje. O desavisado que visse seu boletim escolar, pensava que estava diante de um Q.I. elevadíssimo, sem ter noção realmente, que cada dia que se passava, diminuía sua inteligência, justamente, pela preguiça mental que se criava.
Foi assim o curso inteiro, até a pós-graduação, onde foi escolhida para a bolsa de estudos, integral. Não que não houvesse gente mais capacitada, mais inteligente, mas de novo, porque Joaninha sabia enternecer o respeitável público, com aquela cara de filha da viúva. Não foi ela que se criou assim, mas a conjuntura a que foi exposta, a fez uma sociopata de primeira. Uma pessoa que sabia manipular as outras, a sua volição de momento. Ela aprimorou, o que lhe foi ensinado desde a infância.
Eu sempre lembro de quando ia à casa da Dedeia, depois da Dificuldade de Economia, já tarde da noite e ficávamos lá fora, conversando e a irmã dela, de uns 2 anos, vinha ficar conosco. Como todos os outros eram adolescentes, no mínimo, a temporã se valia disso. Para pedir água, ela grunhia e chorava e todo mundo tinha de adivinhar o que ela queria. Eu falei que ela iria aprender a falar, ou iria morrer de fome, de sede... Fui chamado de insensível, de malvado, mas, diferentemente dos outros, estudei Psicologia do Desenvolvimento, que trata justamente das manhas da infância e da adolescência. Aliás, a Dedeia, no primeiro curso que ela estudou, também. A irmã da Dedeia tentou, mas não deixava satisfazerem suas vontades, até que dissesse o que queria. Chorou, esperneou, mas falou. Só se tivesse problema psico-intestino-fecal, mas aí são outras coisas.
Uma vez, depois de anos, entrei em uma sala, estavam comemorando o aniversário de uma moça no auge de sua juventude, além de entranhado, ainda fui convidado a participar, não sei por que, conversa vai, conversa vem, descobri que era a irmãzinha da Dedeia. Ela perguntou se a conhecia. Mas faz muito tempo. Pela idade dela, fazia uns 18 anos. Nem se lembrava de quando ela se fazia de muda. Falava mais do que periquito em palmeira no fim da tarde. Mas a sociedade prefere o caminho de fazer das pessoas, do cidadão, inúteis de buscarem soluções, muitas vezes simples, para seus problemas. Porque criança, adolescente e até jovem quando passam de fase, questionam muito e isso pode ser um problema para quem quer a sociedade imutável, esperando sempre a vinda do Messias, do Salvador, do Super Homem.
 JOANINHA ADULTA
Por conveniência, Joaninha cursou Geometria, justamente, por dizer que não tinha vocação para tratar com gente, mas queria ficar nos gabinetes, dando ordem em todo mundo, por achar bonito, por querer satisfazer seu ego, por ter como estereótipo do poderoso, esse exemplo.
Por incrível que pareça, Joaninha dizia que o estado era responsável pela má distribuição de rendas e todas as mazelas que se podia conhecer, mas como boa neoliberal, também achava que podia ser tudo, desde que fizesse uma pós-graduação qualquer. Em suma, não via como era incoerente. Se o estado gasta um dinheiro danado com cursos específicos, de repente, ela ia de uma ponta a outra, não computava quanto se podia economizar, se cada um fosse para a sua área específica. Para ela, era normal, o estado gastar com a graduação normal, depois gastar para pós-graduar, fazer concurso para área específica mas concorrerem todos, por ordem judicial, depois, o estado ter de requalificar aquela pessoal que não entende de nada em questão, quem não estudou devidamente o que devia, depois, especializar no exterior, quem fez 2 anos de especialização, quando outros dedicaram 4, 6, ou mais e vir competir com os demais.
Mas quem cresce valendo-se de privilégios, nunca tem essa visão do todo. O mundo sempre é visto, a partir de sua conveniência. O que se perfaz 4, 6 ou mais anos para aprender, Joaninha deixava um espaço vago, para se especializar, por não ser da área, por mais do que simplesmente o tempo normal.
Com tanto mimo assim, era de se esperar que Joaninha levasse a questão dos menos favorecidos, como honra pessoal. Muito pelo contrário. Depois que Joaninha se formou, tem um curriculum de respeito, mesmo que os resultados por onde tem passado, sejam catastróficos, como muita gente que tem muito gogó na entrevista de emprego, mas pouco resultado no emprego de suas aptidões, ela parecia rainha da Idade Média.
Quando ia julgar uma questão que tivesse alguém com mais recursos monetários, sem nem ler o processo, já dava a causa contra o mais desvalido.
Certa vez, Joaninha entrou na lanchonete da empresa, Raimunda e Constância estavam conversando, só por serem dos Serviços Gerais, ela nem perguntou quem eram, do que se tratava, já deu punição às duas. Estavam esperando o responsável do lugar, chegar a dar instruções, de como queria a faxina. Não quis nem saber se Raimunda também era filha de viúva e se Constância era mal alfabetizada,s e moravam longe, tinham família, eram tristes, ou apenas queriam espantar a tristeza, com aquele sorriso no rosto. Odiava quem não podia mostrar riquezas.
Mas como disse anteriormente, um curriculum de deixar de queixo caído, até o cruzamento de Steve Jobs, com Stephen Hawking. Então sem a menor competência para a matéria, foi escolhida para cuidar das finanças de uma empresa essencial para a região.
A empresa foi à bancarrota, a arrecadação do lugar, ficou em frangalhos, mas o curriculum de Joaninha estava recheado de títulos, como aprendera na escola a dar mais importância ao diploma em si, do que fazer daquilo, uma maneira de pensar e até de mudar o que estava falho.
Ninguém nunca discute se o time X ganhou por ser bom, ou por ter sido beneficiado pelo árbitro, naquele dia específico. Está lá súmula, virou História. 2X0, pronto, o resto se esquece.
E assim, Joaninha virou um mito da pós-moderna sociedade de consumo.
A filha da viúva. Rica. Mas cheia de misericórdia para consigo! E desprezo para com todos os outros que não fossem superiores, ou ao menos, do mesmo nível.

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