Para mim, tudo o que é enrustido, o que não é declarado a contento, é sempre mais nocivo do que o que se mostra na integralidade.
Muita
gente vive uma vida enrustida, com medo de que os outros possam pensar mal de
si. Muitas vezes o que os outros pensam, é manter o que já era, faz tempo e ao
não confrontarmos essas questões, estamos agindo da mesma maneira, de quem se
vale do atraso.
Já
disse que há tempos, fui convocado para comparecer à Delegacia da Mulher. E a
acusadora, era uma paraibana que levou o maior esculacho na minha frente e
tempos depois, ela mesma me chamou para pedir desculpas, por ser “muito novinha”.
Eu já fui novinho e nem por isso, fui idiota de acusar os outros, para chamar a
atenção para mim. Uma das coisas que ela achava que era contra ela, era
justamente sua maneira de se ver inferior, por ser nordestina. Qualquer coisa
que lembrasse isso, ela jogava aos outros, o que ela mesma tinha de preconceito
contra si, por não saber se livrar do discurso do dominador que ainda hoje,
desqualifica os demais, não por ter grandes atitudes, mas para dominar sem
reação.
Já
disse outra vez, que quando ia passando de manhã ainda, na frente da Academia
Cagin, no meio da multidão, sobressaiu uma baixinha, calças compridas, camisa
de malha, uma bundinha arrebitada, buzinei, fiz um sinal, de repente aquela
coisinha miúda se engraçou. Tive de ir mais à gente, diversas vezes, quanto
mais a baixinha corria, porque mesmo que eu desse passagem, o carro atrás,
buzinava, ao invés de pegar a outra faixa da pista. Quando chegou, baixei o
vidro, aquela voz de Pato Donald, falei que havia me enganado. O travesti ficou
muito macho, chamou-me de preconceituoso, de um monte de coisa, por eu não
querer fazer sexo com ele. Chamei na época, da inversão da discriminação.
Porque ele é homossexual, eu sou forçado a transar com ele, para não ser chamado
de discriminatório? Tem graça! Já parei diante de um travesti, muito bonito,
muito elegante, dava de 10 em tudo, diante de muita mulher e perguntei se ele
era homem, ou mulher. Um cara muito bonito, ato o elogiei, e ele riu, com um
agradecimento, com uma voz tão feminina, diferente dos que forçam e ficam como
o Pato Donald. Aprendi que não se chama travesti de homem. É “mulher, ou quase
mulher”. Elogiei a beleza dele, mas não sinto o menor tesão por “homem”, mesmo
que seja “quase mulher”. Mesmo sem os ovos, o capado tem testosterona que não
me agrada no cheiro. Agora, quando já nasce com os óvulos completos, já nasce
com o ovário e estrogênio e progesterona, aí a vontade de fazer nhenhém, é bem
diferente. Talvez seja uma questão de hormônios, E por isso, sou
discriminatório? A mania de ao invés de se querer um mundo pluralizado, querer
que seu ponto de vista seja único, seja visto como a verdade absoluta. Quer
dizer, não basta eu pensar que o mundo é feito de vários gêneros, de várias
opções sexuais, tenho de ser homossexual, mesmo a contragosto, para não ser
visto como preconceituoso? Ou ser visto como o cara? Prefiro me manter com a coroa.
Já
falei do Congresso da UNE onde depois das defesas de propostas, na fase de
votação, veio uma idiota mineira, acompanhado de outro leso que acho que também
era mineiro, pedir para “dar um recadinho” e na verdade, era para dizer: “nós
do Movimento Negro, apoiamos a proposta número Tal”. Quando pedi para devolver
o microfone, educadamente, finamente, refinadamente, ela quis se fazer de
vítima. “Este homem é racista, tem preconceito por eu ser negra!” Tá de
sacanagem!
Na
verdade, ela usou de uma prerrogativa que no seu caso era a cor da pele, para fazer
uma coisa que colocava quem ela representava, como esperto, pilantra,
desrespeitador das regras pré-estabelecidas. Que estava cagando o pau se assim
se possa falar, era ela, quando se valia da representação dos negros, para dar
golpe.
Quando
entrei no movimento estudantil, havia o Nestor Nascimento, uma das maiores
inteligências do Amazonas. Mas não usava dentadura, porque, segundo ele, era
coisa de branco. Ou seja, ele vestiu a carapuça, o estereótipo do negro sujo,
burro, sem valor, porque, mesmo que representasse todo um povo, tinha dentro de
si, o racismo que impingiram à raça e disso não podia sair. Cara simpático,
numa época onde cada um, mais velhos do que eu, João Pedro, Lucia Anthony, Eronildo,
Tomé Mestrinho, Guto etc., fazia cara de brabo. Mas realmente, é difícil
acostumar com uma pessoa que tem a possibilidade de evoluir e se mostra como um
troglodita, no trajar. Era como muita gente que confundia comunista com hippie
e achava que tinha de andar maltrapilha, até sujo para se mostrar
revolucionário. É que não conseguiam se desvencilhar do que eles mesmos, ou
elas mesmas combatiam, que na verdade, muitas vezes, era para chegar lá e não
para mudar de verdade. Imagina Lenin de sunga e chinelo, à frente das massas,
no meio da revolução. Não. Aparecia, até como uma forma de respeito aos outros,
de terno, gravata, sapato e tudo o mais que pedia o decoro da época. Essa mania
de querer viver uma realidade, portando-se como um ser de outro mundo, é coisa
de religioso, não de comunista. Se a realidade pede que se use cinza, usa-se,
mesmo que se tenha um discurso de combate a essa imposição. Não se pode viver
no Capitalismo, como se vivesse no Comunismo, sob pena de acabar sendo mais um
dos seguidores de Jesus, ou de Allan Kardec. Mas muitos dos antigos “comunistas”,
vieram direto de movimentos religiosos e não conseguiram se desvencilhar
daquele visão totalmente fora da realidade. Por incrível que pareça, aprendi
isso, com o pessoal de Krishna que a Norminha tinha medo de comer, por achar
que podiam colocar um produto qualquer que a fizesse ser seguidora, mesmo sendo
católica de carteirinha. Ela não comia, mas eu a fazia fazer o prato, para depois
de acabar o meu, atacar o dela. Aliás, ela sempre comia como um pássaro, até
quando íamos à pizzaria, ela comia 1/3 de uma pizza brotinho. E eu, para não me
fazer de rogado, tinha de morder todas as outras que ficavam me olhando com
cara de desamparada. A Filosofia de Krishna diz uma coisa que a gente se
esquece. “Na França como os franceses”. Se eu vou a um país e todos vestem
calças, porque eu tenho de me contrapor, usando a minha roupa? Se eu vou a um
lugar, onde todos têm de usar véu, porque eu tenho de querer ser melhor do que
os outros? E é o que acontece e muito, principalmente com esses cristãos que
depois vêm com o papo de que foram perseguidos. Muito pelo contrário. Eles
queriam impor sua ideologia, para uma grande multidão que já tinha a sua.
Muitas
vezes, o preconceito, a discriminação, vem de dentro da pessoa que se acha
discriminada. Sim que existe discriminação aos montes, muitas vezes, para
subjulgar quem nos mete medo e quando já rotulamos, temos grandes chances de
colocar em seu lugar, quem poderia ser um empecilho.
Mas,
se me chamam de negro, de nortista, de baixinho, até de viado e filho da puta,
se não tenho dentro de mim esse próprio racismo, esse próprio preconceito,
enrustido, essa maneira de ver essas coisas como lixo, posso me contrapor, ou
nem ligar. Coisa que se torna mais difícil de fazê-lo a não ser caindo para o
lado do discurso de outorgar ao outro, título de discriminador, quem quer se
mostrar de um jeito, mas na verdade, pensa de outro.
Muita
gente quer jogar para a plateia, como quem não tem essas coisas de ver os
outros com preconceito, mas no primeiro momento, vem com o discurso do “coitadinho”.
Nada mais preconceituoso, do que ter pena de quem pode ser o que bem entender,
mas é visto como um coitado e por isso mesmo, pode tudo. Não, não pode.
-
Ah coitada. A Elisângela é surdinha. Deixa ela dormir no trabalho!
Acho
que a minha colega de trabalho que tive, que era surda, linda, atriz, uma letra
linda, inteligente, mal aproveitada no setor, por ser surda, era Elisângela.
Morava atrás da Igreja de São Francisco. Comunicávamos, por linguagem labial
que quando não cava, eu escrevia, muito raramente o que eu queria dizer. Só não
sei como me comunicar, por telefone, visto que ela é surda.
Mas
voltando ao assunto, não. Se ela vai trabalhar como qualquer um, tem de cumprir
as normas. As regras são para todos. No momento que eu deixo a Elisângela ter
privilégios, na verdade estou dizendo que ela está ali, não por sua capacidade,
mas por uma questão “humanitária” de fazê-la pensar que é igual aos outros. Mas
na verdade é um peso morto, ou alguém que não pode galgar coisa melhor.
Já
disse também que quando era professor, todo dia era convocado à Coordenação de
Curso e a primeira coisa que a Coordenadora dizia, era: “Professor, esses seus
alunos, não são da Federal...” Um dia, parei a aula, discuti o que faltava, o
que eles queriam, o que eu pensava, chegamos à uma conclusão, quando terminou a
aula seguinte, de novo na Coordenação: “Professor, esses seus alunos não são da
Federal...” Bem, pelo visto, estava ensinando um monte de alunos sem capacidade
alguma que iria colocar no mercado, ou pior, iria diplomar, sem que pudessem
sair desse discurso: “Eu sou graduado, mas não sou da Federal...” E aí, vamos
fazer dois mundos, por causa dessa gente, ou vamos exigir que elas se esforcem,
para alcançarem o mesmo nível pretendido aos outros?
Toda
pessoa que privilegia o outro, como muito machista que faz leis para “garantir”
os direitos da mulher, quando na verdade está tirando o direito delas decidirem
por si, não o faz, por ser bom, mas por acreditar que o privilegiado, na
verdade, é alguém que não tem capacidade para sair da mesmice e mantendo-o
sempre pensando que é gente, não se vai ter problema futuro.
Não
sou contra a viadagem de ninguém, mas não é por isso que vá admitir que a bicharada
queira impor seu mundo de glamour, de
conto de fadas, todo tempo e tenhamos de nos adequar, porque “coitadinhos, eles
vivem tomando no rabo!”
Não
é por não ser racista e até por ter sangue de todas as raças do Brasil que vá
admitir que qualquer filho da puta, faça tudo, mesmo contra a dignidade, porque
“coitadinho, é neguinho!”
Daqui
a pouco se invertem os polos. O que era tratado com racismo vira dominador, sem
oportunizar o direito alheio de existir. O que era uma opção de gênero vira a
imposição de se só poder ser homossexual. O que era para ser integrado ao todo,
vira a excrescência que se tem de seguir, sem pensar.
Quando
se vê aquele que pode ser, como coitado, é o exemplo mais significante, de que
o preconceito, a discriminação, o racismo, está mais dentro de nós, do que nossa
vã filosofia admite.
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