segunda-feira, 1 de abril de 2013

O PRECONCEITO ENRUSTIDO


Para mim, tudo o que é enrustido, o que não é declarado a contento, é sempre mais nocivo do que o que se mostra na integralidade.
Muita gente vive uma vida enrustida, com medo de que os outros possam pensar mal de si. Muitas vezes o que os outros pensam, é manter o que já era, faz tempo e ao não confrontarmos essas questões, estamos agindo da mesma maneira, de quem se vale do atraso.
Já disse que há tempos, fui convocado para comparecer à Delegacia da Mulher. E a acusadora, era uma paraibana que levou o maior esculacho na minha frente e tempos depois, ela mesma me chamou para pedir desculpas, por ser “muito novinha”. Eu já fui novinho e nem por isso, fui idiota de acusar os outros, para chamar a atenção para mim. Uma das coisas que ela achava que era contra ela, era justamente sua maneira de se ver inferior, por ser nordestina. Qualquer coisa que lembrasse isso, ela jogava aos outros, o que ela mesma tinha de preconceito contra si, por não saber se livrar do discurso do dominador que ainda hoje, desqualifica os demais, não por ter grandes atitudes, mas para dominar sem reação.
Já disse outra vez, que quando ia passando de manhã ainda, na frente da Academia Cagin, no meio da multidão, sobressaiu uma baixinha, calças compridas, camisa de malha, uma bundinha arrebitada, buzinei, fiz um sinal, de repente aquela coisinha miúda se engraçou. Tive de ir mais à gente, diversas vezes, quanto mais a baixinha corria, porque mesmo que eu desse passagem, o carro atrás, buzinava, ao invés de pegar a outra faixa da pista. Quando chegou, baixei o vidro, aquela voz de Pato Donald, falei que havia me enganado. O travesti ficou muito macho, chamou-me de preconceituoso, de um monte de coisa, por eu não querer fazer sexo com ele. Chamei na época, da inversão da discriminação. Porque ele é homossexual, eu sou forçado a transar com ele, para não ser chamado de discriminatório? Tem graça! Já parei diante de um travesti, muito bonito, muito elegante, dava de 10 em tudo, diante de muita mulher e perguntei se ele era homem, ou mulher. Um cara muito bonito, ato o elogiei, e ele riu, com um agradecimento, com uma voz tão feminina, diferente dos que forçam e ficam como o Pato Donald. Aprendi que não se chama travesti de homem. É “mulher, ou quase mulher”. Elogiei a beleza dele, mas não sinto o menor tesão por “homem”, mesmo que seja “quase mulher”. Mesmo sem os ovos, o capado tem testosterona que não me agrada no cheiro. Agora, quando já nasce com os óvulos completos, já nasce com o ovário e estrogênio e progesterona, aí a vontade de fazer nhenhém, é bem diferente. Talvez seja uma questão de hormônios, E por isso, sou discriminatório? A mania de ao invés de se querer um mundo pluralizado, querer que seu ponto de vista seja único, seja visto como a verdade absoluta. Quer dizer, não basta eu pensar que o mundo é feito de vários gêneros, de várias opções sexuais, tenho de ser homossexual, mesmo a contragosto, para não ser visto como preconceituoso? Ou ser visto como o cara? Prefiro me manter com a coroa.
Já falei do Congresso da UNE onde depois das defesas de propostas, na fase de votação, veio uma idiota mineira, acompanhado de outro leso que acho que também era mineiro, pedir para “dar um recadinho” e na verdade, era para dizer: “nós do Movimento Negro, apoiamos a proposta número Tal”. Quando pedi para devolver o microfone, educadamente, finamente, refinadamente, ela quis se fazer de vítima. “Este homem é racista, tem preconceito por eu ser negra!” Tá de sacanagem!
Na verdade, ela usou de uma prerrogativa que no seu caso era a cor da pele, para fazer uma coisa que colocava quem ela representava, como esperto, pilantra, desrespeitador das regras pré-estabelecidas. Que estava cagando o pau se assim se possa falar, era ela, quando se valia da representação dos negros, para dar golpe.
Quando entrei no movimento estudantil, havia o Nestor Nascimento, uma das maiores inteligências do Amazonas. Mas não usava dentadura, porque, segundo ele, era coisa de branco. Ou seja, ele vestiu a carapuça, o estereótipo do negro sujo, burro, sem valor, porque, mesmo que representasse todo um povo, tinha dentro de si, o racismo que impingiram à raça e disso não podia sair. Cara simpático, numa época onde cada um, mais velhos do que eu, João Pedro, Lucia Anthony, Eronildo, Tomé Mestrinho, Guto etc., fazia cara de brabo. Mas realmente, é difícil acostumar com uma pessoa que tem a possibilidade de evoluir e se mostra como um troglodita, no trajar. Era como muita gente que confundia comunista com hippie e achava que tinha de andar maltrapilha, até sujo para se mostrar revolucionário. É que não conseguiam se desvencilhar do que eles mesmos, ou elas mesmas combatiam, que na verdade, muitas vezes, era para chegar lá e não para mudar de verdade. Imagina Lenin de sunga e chinelo, à frente das massas, no meio da revolução. Não. Aparecia, até como uma forma de respeito aos outros, de terno, gravata, sapato e tudo o mais que pedia o decoro da época. Essa mania de querer viver uma realidade, portando-se como um ser de outro mundo, é coisa de religioso, não de comunista. Se a realidade pede que se use cinza, usa-se, mesmo que se tenha um discurso de combate a essa imposição. Não se pode viver no Capitalismo, como se vivesse no Comunismo, sob pena de acabar sendo mais um dos seguidores de Jesus, ou de Allan Kardec. Mas muitos dos antigos “comunistas”, vieram direto de movimentos religiosos e não conseguiram se desvencilhar daquele visão totalmente fora da realidade. Por incrível que pareça, aprendi isso, com o pessoal de Krishna que a Norminha tinha medo de comer, por achar que podiam colocar um produto qualquer que a fizesse ser seguidora, mesmo sendo católica de carteirinha. Ela não comia, mas eu a fazia fazer o prato, para depois de acabar o meu, atacar o dela. Aliás, ela sempre comia como um pássaro, até quando íamos à pizzaria, ela comia 1/3 de uma pizza brotinho. E eu, para não me fazer de rogado, tinha de morder todas as outras que ficavam me olhando com cara de desamparada. A Filosofia de Krishna diz uma coisa que a gente se esquece. “Na França como os franceses”. Se eu vou a um país e todos vestem calças, porque eu tenho de me contrapor, usando a minha roupa? Se eu vou a um lugar, onde todos têm de usar véu, porque eu tenho de querer ser melhor do que os outros? E é o que acontece e muito, principalmente com esses cristãos que depois vêm com o papo de que foram perseguidos. Muito pelo contrário. Eles queriam impor sua ideologia, para uma grande multidão que já tinha a sua.
Muitas vezes, o preconceito, a discriminação, vem de dentro da pessoa que se acha discriminada. Sim que existe discriminação aos montes, muitas vezes, para subjulgar quem nos mete medo e quando já rotulamos, temos grandes chances de colocar em seu lugar, quem poderia ser um empecilho.
Mas, se me chamam de negro, de nortista, de baixinho, até de viado e filho da puta, se não tenho dentro de mim esse próprio racismo, esse próprio preconceito, enrustido, essa maneira de ver essas coisas como lixo, posso me contrapor, ou nem ligar. Coisa que se torna mais difícil de fazê-lo a não ser caindo para o lado do discurso de outorgar ao outro, título de discriminador, quem quer se mostrar de um jeito, mas na verdade, pensa de outro.
Muita gente quer jogar para a plateia, como quem não tem essas coisas de ver os outros com preconceito, mas no primeiro momento, vem com o discurso do “coitadinho”. Nada mais preconceituoso, do que ter pena de quem pode ser o que bem entender, mas é visto como um coitado e por isso mesmo, pode tudo. Não, não pode.
- Ah coitada. A Elisângela é surdinha. Deixa ela dormir no trabalho!
Acho que a minha colega de trabalho que tive, que era surda, linda, atriz, uma letra linda, inteligente, mal aproveitada no setor, por ser surda, era Elisângela. Morava atrás da Igreja de São Francisco. Comunicávamos, por linguagem labial que quando não cava, eu escrevia, muito raramente o que eu queria dizer. Só não sei como me comunicar, por telefone, visto que ela é surda.  
Mas voltando ao assunto, não. Se ela vai trabalhar como qualquer um, tem de cumprir as normas. As regras são para todos. No momento que eu deixo a Elisângela ter privilégios, na verdade estou dizendo que ela está ali, não por sua capacidade, mas por uma questão “humanitária” de fazê-la pensar que é igual aos outros. Mas na verdade é um peso morto, ou alguém que não pode galgar coisa melhor.
Já disse também que quando era professor, todo dia era convocado à Coordenação de Curso e a primeira coisa que a Coordenadora dizia, era: “Professor, esses seus alunos, não são da Federal...” Um dia, parei a aula, discuti o que faltava, o que eles queriam, o que eu pensava, chegamos à uma conclusão, quando terminou a aula seguinte, de novo na Coordenação: “Professor, esses seus alunos não são da Federal...” Bem, pelo visto, estava ensinando um monte de alunos sem capacidade alguma que iria colocar no mercado, ou pior, iria diplomar, sem que pudessem sair desse discurso: “Eu sou graduado, mas não sou da Federal...” E aí, vamos fazer dois mundos, por causa dessa gente, ou vamos exigir que elas se esforcem, para alcançarem o mesmo nível pretendido aos outros?
Toda pessoa que privilegia o outro, como muito machista que faz leis para “garantir” os direitos da mulher, quando na verdade está tirando o direito delas decidirem por si, não o faz, por ser bom, mas por acreditar que o privilegiado, na verdade, é alguém que não tem capacidade para sair da mesmice e mantendo-o sempre pensando que é gente, não se vai ter problema futuro.
Não sou contra a viadagem de ninguém, mas não é por isso que vá admitir que a bicharada queira impor seu mundo de glamour, de conto de fadas, todo tempo e tenhamos de nos adequar, porque “coitadinhos, eles vivem tomando no rabo!”
Não é por não ser racista e até por ter sangue de todas as raças do Brasil que vá admitir que qualquer filho da puta, faça tudo, mesmo contra a dignidade, porque “coitadinho, é neguinho!”
Daqui a pouco se invertem os polos. O que era tratado com racismo vira dominador, sem oportunizar o direito alheio de existir. O que era uma opção de gênero vira a imposição de se só poder ser homossexual. O que era para ser integrado ao todo, vira a excrescência que se tem de seguir, sem pensar.
Quando se vê aquele que pode ser, como coitado, é o exemplo mais significante, de que o preconceito, a discriminação, o racismo, está mais dentro de nós, do que nossa vã filosofia admite.  

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